sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O regresso do "outro"

É tão bom chegar a sexta feira à noite, colocar algumas peças de roupa numas malas e fazer-me à estrada para passar mais um fim de semana em casa dos meus pais, na "minha" casa, no meu lar, no meu aconchego, onde vou ter com certeza a comidinha da mamã para consolar o estômago, onde com certeza vou encontrar aquele conforto a que estou habituado. Onde vou encontrar o "meu sofá", e nele me vou esticar todo depois de jantar enquanto a família toda resmunga porque faço sempre aquele gesto quando venho à sexta feira à noite.. Aquele que foi o meu primeiro lar, será para todo o sempre o meu lar, independentemente de o ser em modo permanente ou em modo parcial. Como na maioria das sextas feiras,, faço-me à estrada, e a pensar em coisas mínimas, tais como interrogar-me acerca do que a mamã teria preparado para o jantar desta vez, juntando isso à fome que o meu estômago insistia em não querer esquecer a viagem até passou mais rápido do que eu esperava. Sem dar por ela lá estava eu a entrar em casa, qual não é o meu espanto que mal fecho a porta da entrada oiço uma voz a dizer "olha, já chegou o outro" após reconhecer aquela voz, olho para o lado e vejo que o detentor da voz que tinha provocado impacto em mim com as palavras que proferira segundos antes estava a ocupar o "meu sofá" na posição em que só eu o costumava ocupar. Uma enorme fúria nasce em mim, tinha vontade de começar à pancada nele, e tive que fazer um enorme esforço para me controlar. O meu maior espanto foi olhar para os meus pais e vê-los assentir com naturalidade aquilo que alguém tinha dito, como se fosse a maior verdade do mundo. Parei por algum tempo, sem se quer pousar as malas. Parecia que estava colado ao chão, e permaneci naquela posição alguns segundos. Acalmei-me e tentei que a calma permanecesse, tentei agir com calma e naturalidade, mas apesar do meu enorme esforço isso não se verificou. O jantar foi acompanhado por um clima tenso, mas mais tenso ficou quando dou conta que esse alguém usava os meus chinelos e a minha camisola. Ele tinha-me tratado à minutos atrás como sendo eu "o outro", usava as minhas coisas, e ocupava o meu lugar da forma que só eu o ocupava. Era nítido que alguém tinha entrado sem bater à porta, e se tinha apoderado do que me pertencia sem pedir ordem, mas o mais frustrante era ver a naturalidade com que os meus pais assentiam isso.
Após o jantar saio porta fora sem dar uma única satisfação a ninguém, isso não é de todo normal em mim. começo a caminhar por entre a chuva até que dou por mim sentado no chão, e como já é habitual, não só, mas principalmente em situações complicadas, com fumo a erguer-se de uma das minhas mãos, encontro-me na solidão a pensar naquilo que se tinha passado, em tudo o que se estava  a passar, naquilo que estava a acontecer. Após algum tempo, e mesmo com a chuva e o frio a perturbar o meu pensamento chego a uma conclusão. Alguém tinha entrado naquele que foi o meu primeiro lar, e naquele que será para sempre o meu lar, alguém tinha entrado na "minha casa" e tinha tomado o meu lugar. Era revoltante para mim o que tinha acabado de acontecer. Chegar a casa, ser tratado como "o outro" e ver alguém a usar as minhas coisas com a maior das naturalidades provocava em mim uma fúria tão grande que tinha momentos que não me conseguia controlar e começava a atirar pedras para tudo quanto era sitio. Eis então que um rol de perguntas sem resposta começaram a nascer na minha cabeça, e perguntas tais como: "o que estou eu aqui fazer?", "como é possível que alguém tenha tomado o meu lugar e usado as minhas coisas?" "como é possível que eu seja "o outro" na "minha própria casa"?", "o que é que eu estou aqui a fazer, não só aqui mas no mundo?", estas e muitas outras perguntas semelhantes nasceram na minha cabeça, provocando em mim uma incerteza tão grande que tive vontade de agarrar no carro e ir embora sem avisar ninguém e nunca mais voltar. Parece-me a mim que perdi aquilo que, talvez fosse o melhor que tinha na vida. perdi um pouco do estatuto que tinha na "minha" casa, no meu lar. Parece que agora alguém me substituiu e me superou, efectivamente em mim paira um sentimento de revolta. Sinto que fui trocado, e trocado por alguém que não possui raízes nem ramos na árvore genealógica da minha família. Fui trocado por um estranho, e de repente eu sou o "outro"
Efectivamente, em mim não nasce só um rol de perguntas sem resposta, em mim não nasce só fúria e tristeza, em mim nasce, sem a menor duvida, a maior crise existencial da minha vida, onde a pergunta "o que é que eu ando aqui a fazer, não só aqui em casa, mas no mundo. qual é o meu lugar aqui e no mundo?", ganha forças e não respostas e provoca em mim um descontrolo fenomenal. sem saber o que fazer, sem saber que rumo tomar, dou por mim encharcado novamente a caminhar.
  vida não me sorri. O fim de semana avizinha-se negro e tenso, e efectivamente, perdi o meu lugar no meu próprio lar. a vida não é justa.
 Sem saber o que fazer, continuei a vaguear, numa tentativa de ir ao encontro do infinito...
Efectivamente, perdi aquilo que mais bom tinha na minha vida. perdi o meu lugar no meu próprio lar. perdi o meu estatuto... deixei de ser eu...
  

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